23 de mai. de 2013

IMPLICAÇÕES: O PRIMEIRO CAFÉ


Série: Implicações. 
Acompanhe: Texto II - Ellen

Não tinha fim. Parecia me dominar. Todo aquele escuro e passageiro sombrio que habitava dentro de mim. E por que não cuidar do lado de fora? Não fazia sentido todas aquelas noites apagadas; muito menos as acesas. Eu perdia o sentido em meio às desgraças diárias. Nada fazia sentido depois de tudo. Minha mente bagunçada tentava se recompor dentro de segundos. Respirava. As lembranças de um clima tenso e suas fumaças numa manhã de sol ainda eram capazes de me manter acordado. O motivo? Talvez fosse o acidente. Ou, melhor dizendo, o que o causou e o que estava lá.

A minha vida estava tranquila, pacata. Nada me fazia parar ou ao menos ter medo. Mas qual o motivo do medo? Por que usar o medo aqui? Sei lá, só me era estranho. Depois de algumas semanas, consegui desenvolver a capacidade de manter-me afastado. Era algum tipo de dor, ou barreira. Logo pela manhã, a fumaça do primeiro café depois do que aconteceu e panquecas, mesmo não querendo, tinham a capacidade de me fazer sentir melhor a brisa que vinha da janela em dias como aquele. Era outra manhã, daquelas, sabe? Daquelas em que em que são desnecessários os comentários. Me ajeitei na cadeira, e como se não houvesse mais ninguém na casa, eu comi. Ao mesmo tempo, mantinha os meus olhos em cada canto daquela cozinha. Os móveis de madeira antiga, a geladeira e até mesmo o fogão não escapavam. Eu mentalizava. Era estranho, eu me sentia assim. Era? 

Às oito horas de uma manhã de sexta-feira, nada estava tão ruim quanto eu previ. E o lado bom das coisas? Eu não sei, apenas imagino a parte da qual a maioria despreza. Minha mãe me encarava enquanto lavava a louça. Eu não dei uma palavra, nem sequer um bom dia. Que diferença faria? Tudo iria voltar ao início? Talvez o melhor fosse estar mesmo só, ou, deixá-la.  Não duvido de que isso a deixaria mais aliviada. A morte do meu pai e da minha irmã mais nova, ao mesmo tempo em que se tornavam distantes, chegavam cada vez mais perto. Juro que um dia tento contar a história completa; ou não. Enfim, vamos voltar à mesa.   

Meu café já estava quase no final quando ela me olhou de canto e disse:
- Filha, vai pro colégio hoje?
- Não quero mãe. Me sinto cansado ainda e não tive sono noite passada. – Menti quando disse que me sentia casado. Talvez ela pensasse no físico. Eu até queria ir para o colégio, mas alguma coisa naquela manhã me pedia pra ficar. Eu não sei o porquê, mas, ir ao colégio em tempos como estes, esfriavam a minha cabeça. A maioria das pessoas, talvez, pensaria o contrário.
- Quando terminar o café, leve esses biscoitos para sua avó. Estou saindo. – Saiu às pressas quando percebeu que estava atrasada para o trabalho. Eu continuei instável. Não disse uma palavra. Balancei a cabeça como de costume e segui em frente. Não era lá o melhor café da semana.

Me joguei no sofá e tentava me recompor. As mudanças acontecerem em dias estabilizados. Eu não tinha desenvolvido ainda a capacidade de aceitar as coisas. Ligava uma música no iPod. Tentava imaginar as fugas e prisões. Ou seria o contrário? Toda aquela nuvem sufocava o telhado da casa velha em uma cidadezinha do interior. Complicações faziam parte. A vida ditava as regras. Não me movia, e de certa forma, os sentidos se tornavam um breu em manhã cinzenta. Sofria mutações sem mesmo ter a noção dos estímulos. Criava fantasias sem mesmo perceber a dor que elas causavam. 


Continua.


(Matheus Carneiro)


 Série: Implicações. 
Acompanhe: Texto II - Ellen


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